A noite estava fria e escura. A rua deserta demonstrava sua solidão com um pequeno balé realizado pelas folhas mortas que caíam dos ramos das árvores.
Das sombras de uma das árvores surgiu um homem alto e sério; ele portava uma longa capa preta e na sua cabeça jazia um grande chapéu redondo, também preto.
O homem observou a rua deserta e caminhou até o último poste do extremo. Lá ele se encostou no tronco de metal e retirou um cachimbo das vestes. Ele acendeu a fornalha e tornou-se a olhar para o vazio na sua frente.
Lentamente outro homem apareceu no final da rua. Ele caminhou em direção ao desconhecido até imitá-lo na posição. O primeiro homem tinha longos cabelos pretos, já o segundo estava irreconhecível.
– Irei ao amanhecer. – Falou o primeiro para o vento.
– Tente não estragar tudo desta vez.
– Não irei, Linn, o plano está todo esquematizado.
– Alguém desconfia do disfarce? E quanto à fronteira?
– Já está tudo resolvido. Pode confiar.
O segundo homem bufou discretamente. Linn levou o cachimbo à boca e lentamente sugou a fumaça; soltando-a lentamente segundos depois. Os galhos da árvore balançavam devagar, seguindo o movimento do vento.
– O mapa já está quase completo, Marc – Falou Linn embaixo do capuz. – Em breve tudo irá mudar.
– E eu quero fazer parte desta mudança.
– Se você completar a missão tenho certeza de que fará parte. Você trouxe o pacote?
Marc colocou a mão no bolso e delicadamente retirou um objeto redondo que estava envolto em um pano xadrez. Finn observou a sombra arredondada do objeto e se fascinou. Lentamente ele estendeu a mão e puxou o artefato da mão de Marc; guardando-a rapidamente no bolso.
– Isso poderá mudar o destino de tudo. – Comentou Finn.
Marc, que até então estava com uma expressão tristonha por ter passado o objeto para o Finn, voltou a observar o final da rua escura.
– A máquina está pronta? – Perguntou ele.
– Em poucos meses estará. Em poucos meses a mágica mais poderosa deste mundo estará quebrando toda e qualquer barreira. – Finn proclamava as palavras com raiva e rancor. – Em poucos meses mais países serão dominados e o grande relógio de Garnir irá sucumbir. Em poucos meses, caro Marc, o símbolo de tradição e honra do mundo mágico Belga se tornará lenda. E então uma nova ordem surgirá e tudo o que um dia foi considerado inútil e desprezível, será aclamado e reverenciado.
Um pássaro voou da árvore e seguiu rumo por entre o céu estrelado. Os homens se entreolharam e depois voltaram a fitar o fim da rua.
– O Charles foi eliminado? – Perguntou Marc.
– Está preso. Não acho que o grupo vá eliminá-lo, afinal de contas ele foi muito importante para o movimento. Pena que não se adaptou as… Melhorias.
Outro pássaro voou da árvore, desta vez cantando. Finn deu um passo para frente e em súbito começou a caminhar pela rua, voltando para o começo dela.
Marc estranhou o comportamento do comparsa, mas em poucos segundo entendeu do que se tratava.
De repente, Linn se virou e soltou uma bola verde esmeralda em direção à árvore. Um fogaréu enorme iluminou a rua enquanto a árvore pegava fogo.
Das chamas caíram dois corpos. Era um homem e uma mulher, ambos não sofreram queimaduras, mas seu aspecto era um tanto quanto curioso. O casal tinha enormes asas de canários e a boca deles lembrava um bico.
Segundos depois da queda os dois se levantaram rapidamente e conjuraram uma mágica em direção ao Finn.
No exato momento, Marc fugiu por entre a rua. O homem pássaro ainda tentou impedi-lo, mas de nada adiantou. Marc fugiu com a velocidade de um relâmpago.
A batalha gerou enormes flashes de luz e a rua que antes estava escura, agora reluzia em raios azuis marinhos e vermelho sangue.
Em determinado momento o homem pássaro pulou e se transformou em um pequeno canário, ele deu dois cantos e depois sumiu no meio do céu. A mulher continuava concentrada, soltando mágicas intermináveis em direção ao Linn.
Mas Linn não era iniciante no mundo mágico. O encapuzado dominava a arte e ainda tinha tempo de cobrir o rosto quando o capuz ameaçava voar.
– Sua insignificante, estúpida. – Falava roendo os dentes de raiva. – Eu vou te matar.
A mulher não perdia tempo falando, apenas sussurrava mágicas ainda mais poderosas e complexas para si mesma.
– O seu mundo vai queimar. – Continuou o rebelde, agora com os olhos fervendo. – E quando chegar a hora, eu irei te ver implorar para morrer.
Inúmeros raios prateados começaram a dançar ao redor dos dois mágicos. Um apito agudo foi ouvido ao longe; várias luzes se acenderam na rua.
Em seguida ecoou um grito feminino, um estalo e uma risada.
E então tudo ficou escuro.
- Texto extraído do livro “Albert Beaumont no mundo dos mortos”. Pag 11 até 14.